6/17/2008

As estações e o carinho

Estava deitado na cama olhando para teto, inerte e com os pensamentos vagos. Meu pensamento não se fixava em nenhum ponto que mereça meu relato, eram como folhas caídas no outono que o vento da solidão levam com um simples soprar. Sentia-me como uma árvore desprotegida, sem raízes, sem folhas, apenas uma carcaça com a nostalgia de um dia ter sido árvore e com a esperança de um dia viver alguma mudança. Após essa identificação estática com as árvores, comecei a pensar em como a natureza tem uma lógica estranha, após o calor de um verão as árvores ficam despidas para sentir o frio e pedirem um carinho de uma flor que só chegará na primavera. E era isso que estava sentindo naquele momento: a falta de um carinho.
Em uma tentativa de mudar a situação levantei-me de súbito e fui procurar um livro em minha pequena bagunça organizada. Nada que realmente precisasse ou que atenderia minhas necessidades do momento. O universo age de maneira inexplicável nesses momentos. Quando estava revirando meus documentos do passado encontrei um cartão de visita com o seguinte anuncio: “Disk-Carinho, quando estiver só ligue e receba o que o dinheiro não pode comprar, apenas trazer!”. Que estranho, não me lembrava de quando ter recebido este cartão. Fiquei por alguns minutos pensando: “disk-carinho... quem pode vender, ou no caso trazer, um carinho? Carinho é algo muito pessoal, não tem como ser vendido, ou tem?”. Já não duvidava de mais nada, tudo é mercadoria e o sexo, por exemplo, é uma das mercadorias mais antigas da humanidade, porque não um carinho? Resolvi ligar:
- Disk-Carinho boa tarde – respondeu uma voz feminina evidenciando profissionalismo.
- É... é... boa tarde, como funciona o serviço de vocês?
- O serviço é cobrado por hora, que custa R$ 70,00. O senhor quer receber carinho de homem ou mulher?
- Mulher... mas como funciona, ela fica durante uma hora dando carinho? – perguntei desconfiado.
- É uma hora de atenção exclusiva para o senhor, o que ela pode fazer é conversar, dar atenção e fazer o que chamamos de “cafuné”, também é permitido se abraçar, não é permitido sexo.
- Ahhh – respondi dando a impressão de ter entendido.
Na verdade eu tinha entendido o funcionamento do serviço, mas não conseguiu compreender muito o significado daquilo tudo. Contratar uma pessoa para fazer carinho em você é algo um tanto quanto incomum. Os meus segundos de silêncio foram interrompidos pela atendente perguntando se ia querer o serviço. Pensei nas flores que brotam gratuitamente na primavera para aquecer o frio das árvores. Pensei no frio do inverno que estava chegando. Lembrei que a primavera ainda está longe e foi então que respondi:
- Sim.

Um comentário:

Paula Leão disse...

Muitas vezes queria ser a primavera, o verão, o inverno, ou mesmo outono na vida das pessoas... Mas pensando bem, eu acho que sou! Ainda mais agora com tantas mudanças no tempo, quando as pessoas esperam de mim uma primavera florida, apareço como um quente verão, ou mesmo um inverno gelado, porém aconchegante, incrível isso...ninguém resiste a um carinho, pena não estar por perto de quem o quer, ou parar e pensar que vc também precisa, ou mesmo acreditar que já colocaram a venda...